Mariana Alcoforado
Penso tanto
nas freiras dos conventos, na clausura de recolhimentos
na pele alva de mulheres sequestradas
que não sabem do calor das alvoradas
nas vidas equilibradas pelo bater de um relógio
nos hábitos que se vestem a rigor sem nunca olhar o vulto tentador
Penso tanto
em camas de ferro anquilosadas, em lençóis sempre limpos
quais ciladas
em rezas e missas todos os domingos, em novenas e vias
quase todas sacras
em penitências que se exibem como instâncias da maior fama
e fado
no cio que se reprime, no querer ser noiva de um só Cristo
Penso tanto
em pais autoritários que às filhas negaram seus cuidados
em mães, irmãs, tão pouco solidárias que deixaram no claustro
o sangue que abraçaram
em abadessas que conventos amestraram com intentos vis, as
malquerentes
Penso
numa igreja organizada, contrafeita, viciada.
E logo me surge Mariana Alcoforado
com o peso do passado.